Um minuto de conversa

As ruas são tão familiares. Os rostos tão comuns. Na rotina do caminho para o trabalho são raras as surpresas que cruzam as calçadas. Hoje, encontrei uma flor pantaneira perdida. As incertezas desta vida a movia como o vento move as folhas das árvores no outono.

Na Rua Osório Ribas, em frente ao nº 217, pedia dinheiro para voltar às terras pantaneiras. Carregava um filho no colo. Não era mais uma pedinte. Era sul mato-grossense, só podia ser pela pele, jeito, sotaque... Parecia tão decepcionada com uma informação desencontrada.

Dizia que veio procurar a casa dos avós e uma vida nova. Os avós se mudaram para Curitiba. E a tentativa de encontrar um emprego novo e começar uma nova etapa foi ao chão. E o telefone? Não tinha. Só o endereço. Veio com a única certeza, a esperança de encontrar os avós. De repente, uma lembrança do carinho dedicado a ela na infância e a certeza da mão acolhedora fez arriscar e vim sem pestanejar.

Mais um minuto de conversa com a mulher de pele parda, estatura mediana, calça jeans, blusinha preta, bolsa estilo carteiro, cabelos presos e um menino de 18 meses, aproximadamente, no colo. Ele na sua inocência dormia agarrado ao seu peito. Sua mão direita segurava-se na alça da sua blusinha.

Então, a Secretaria de Assistência Social vai te ajudar e senhora poderá voltar para casa. A resposta veio como tropeção. Já tinha procurado, mas a cidade é grande e disseram que não podem ajudar todo mundo que aparece. Como assim? Pelo que consta, o município tem excesso de arrecadação, vai subir mais 17% os impostos.

No entanto, para esta brasileira não restou nem informação. O que faço agora se existe dinheiro em excesso nos cofres públicos e no meu só chega no 5º dia útil do mês e acaba no 6º? Olha, a Igreja, aquela ali na praça, também tem um centro de assistência social. Vai lá conversa com eles, explica a situação e quem sabe podem te ajudar a voltar para casa.

A mulher se despediu, cruzou a Praça Rui Barbosa, subiu as escadarias e entrou na igreja. Sua imagem desapareceu, seu rosto não, sua angústia me deixou angustiada. Um grito de revolta explodiu e se calou em mim porque aqui a expressão nos meios impressos, radiofônicos e televisivos é um só, menos a realidade.

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3 comentários:

Cássio Gonçalves disse...

A beleza radiante do novo layout se misturou à tristeza do último post, resultando num gosto melancólico estranhamente belo. É realmente angustiante ver a Miséria humana assistida como quem contempla e conservada pelos que Assistem. E pensar que há tantas outras por aí. Os nós nas mãos flagelam. E não existem. Há a escolha entre atar e desatar. Seu grito, Vanuza, não ficou preso. E ele é lindo.

Mário Sioli disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mário Sioli disse...

Tem um provérbio árabe que diz: "Fica sempre um pouco de perfume nas mãos que oferecem rosas".
Não sei o quanto dessa história seja real, mas ela se encaixaria muito bem na vida de tantas pessoas abandonada pelos familiares, amigos, governo, igreja... Muitos que buscam num encontro seus sonhos, acabam trazendo junto a mala a incerteza do futuro e isso fica ainda mais dolorido quando em seus braços trazem uma sementinha que ainda nem começou a imaginar a vida.
Nos somos de fato responsável por todos os irmãos e irmãs, sempre que trazemos a certeza e chamamos Deus de pai. Não há na terra quem não precise de uma palavra de conforto ou alguém que o escute com carinho e respeito suas angustias, pois nem todos querem dinheiro, porém muito gostariam de ter a certeza de ter alguém em quem contar... igrejas, governos, amigos, parentelas do lar... Ainda tem tempo para perfumar suas mãos, a caridade é a prática que garante que não teremos mais história como essa para se comover e chora...
Gostei do seu texto.
Beijos no coração.