Debruçada na janela eu reflito



Olho pela janela e lá está ele novamente. Cabisbaixo. Parece que não melhorou nada. De longe dá para ver que tem sangue em sua testa. Preciso ir lá. Está morrendo à míngua. Parece invisível. Ninguém o percebe. Faz dias que ele está ali, deitado no mesmo lugar. O que será que aconteceu com ele? Foi veneno? Foi um chute? Ah! Pode ter sido namorada.


O olhar vazio se perde entre as flores da praça. O colorido e aroma também são delas. Ele já perdeu o brilho da juventude e se encosta pelos bancos. Sonhar parece ser melhor que acordar e encontrar todas as manhãs cinza. Encontrar os mesmos passos apressados que caminham rumo ao trabalho e as escadarias da igreja. Os joelhos se prostram diante do altar e suplicam misericórdia e perdão se redime por viver. Mas insistem em viver sem perceber os preceitos do criador.


Criar? Parece não ter mais nada a ser feito, já que Ele é tão perfeito. Como pode alguém perfeito criar um mundo tão imperfeito. Seres infelizes, infelizes com o seu nariz, com seu jeito de andar e até com o jeito de sorrir. A atmosfera está carregada de queixumes.


Os gatos, baratas, cachorros e homens parecem não se distinguirem. Todos se preocupam em alimentar o corpo. Os humanos ousam em publicar suas sublimes criações e as chamam de arte. Mesmo assim, não contemplam o desejável mundo das idéias de Platão.


É um gato detestável. Não vive pelo outro. Seu dono o colocou na rua e o chama de egoísta, simplesmente, porque enquanto ele trabalhava o gatinho dormia em sua cama. Achava que o bichano não percebia suas aflições, mas o que o pobre gato pode fazer se foi domesticado assim. A única coisa que o aborrece é ter perdido sua amada em um acidente de trânsito. Matam seu amor e ainda ochamam de egoísta.


Vanuza Borges

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A sexta-feira da paixão de todos os dias


A multidão se reúne na Praça da Igreja. O tempo está turvo já é possível ver algumas gotas de chuva caindo levemente sobre os rostos. Os olhares esse vertem para o céu e lá do alto surge uma tímida estrela. Então, a multidão começa a caminhar e até que parece que a tímida estrela guia os fiéis. Mas, na verdade poucos a percebem, alguém na minha frente diz: olha surgiu uma estrela!

Passa pela primeira estação, segunda, terceira ... No meio da massa crianças vestidas de anjos, mulheres descalças... As vozes se confrontam com o rugido do tempo carregado pela força da natureza: vento e trovões. A multidão parece emudecida, quando se afasta dos carros de sons, que se pode ouvir nitidamente a voz que anuncia as estações.

A encenação da via cruzes continua pelas ruas das cidades. Seus peregrinos estão com os olhares abatidos como se o Cristo estivesse sendo crucificado naquele instante e como cada um gritasse na periferia da alma Barrabás, Barrabás, Barrabás.... Também é nítida as mãos calejadas que seguram as velas que iluminam a via sacra.

Não é difícil notar que o tempo não passa para algumas coisas, a mesma multidão que segue o Cristo morto é a mesma que o seguia o Jovem Nazareno há 2 mil anos atrás.São de pobres e leprosos do corpo e do espírito que se forma o cordão humano que acompanha Jesus até o calvário. Rara é a presença dos nobres entre a multidão de aflitos. O único ato solidário está em emprestar a chama da vela para acender outra que se apagou com o vento.

A via cruzes está prestes a acabar. Já está na 14ª estação, quando risos escandalosos desperta olhares, é um grupo de jovens emos, rock´s, punk’s, sei lá. Eles atravessam o cordão de fiéis arrancando olhares revoltosos. Entretanto, seguem com sua garrafa de álcool como outros jovens que cruzaram a procissão ao longo das 15 estações. Jesus deve está diluído no álcool e na alma de seus irmãos terrenos.

A multidão se reúne novamente em frente à Igreja a espera das palavras do bispo. Ela chega mansa falando do paraíso de duas árvores a da ciência do bem e da ciência do mal que é plantada dentro dos nossos corações. "O paraíso pode ser aqui. Deus nos deixou o livre arbítrio e quando escolhemos colher frutos da árvore da ciência do bem estamos escolhendo a vida, estamos escolhendo o que Deus nos ensinou.

É assim escolhendo os frutos da árvore da ciência do bem que Jesus vive em nós. Perdão, mas parece que vocês filhos de Deus preferem viver com Barrabás, o matador". O discurso de como viver em paz como a alma prossegue. E termina: "Não tenha medo meu rebanho, não tenha medo minhas ovelhas do amor de Deus", implora.

A celebração da via cruzes continua com um teatro ao ar livre no platô, atrás da Igreja. A platéia eclética parece emocionada. Ironia ou simples coincidência enquanto Cristo sofre o mesmo ritual de perseguição e crucificação em cima do platô, alguém lá em baixo do platô ajeita o papelão e sua coberta se esquivando do vento frio que invade a noite.

O teatro acaba, a multidão se disperça e o único canto que continua a urgir é: teu nome é Jesus Cristo e é analfabeto, passa frio, é um mendigo antes trabalhasse e não pedisse... Todos saem e corpo moreno, barba grisalha fica lá se encolhendo do frio e do preconceito. Enquanto isso, os fiéis comentavam a brilhante atuação do Jesus Cristo de olhos verdes e cabelos loiros. É assim que Cristo nasce e morre em todos os dias em todas as sextas-feiras santas e profanas.


Vanuza Borges

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