Cabana azul


A cidade amanheceu gelada. A névoa fina toma as ruas. Lá ao longe uma cabaninha azul com detalhes dourado. A sua porta, o morador cabisbaixo fuma um cigarro, parece estar com frio. Ao seu lado direito uma pequena sacola de supermercado branca com algumas peças de roupas. Tudo faz crer que ele dormiu ali, na calçada da Rua Ouro Branco.

A cabaninha feita com o próprio cobertor, está úmida. Na sacola parece que carrega mais que roupas: carrega a vontade de ser olhado com respeito. Pessoas cortam a rua rumo ao trabalho e ao depararem com o novo morador se assustam e mudam para a calçada do outro lado da rua.
Deve ser constrangedor levar um susto desses nas primeiras horas da manhã?
Ouvi alguém dizer baixinho: como pode um homem sadio desse viver de esmolas! Talvez o emissor dessa frase não pense que o alicerce das famílias esteja construído de migalhas de dignidade, respeito, amor, temperança, compreensão, carinho e responsabilidade com familiar. Dessas fagulhas germinam as meninas e meninos de rua, os bêbados, os adultérios e todas as outras coisas que consideramos “feias” e escondemos debaixo dos nossos cobertores.

Já é quase meio dia e ele continua lá quase que imóvel. Dá para saber que está vivo por causa da fumaça do cigarro. O homem de cabelos grisalhos, pela parda em posição de meditação em sua cabaninha úmida faz refletir sobre nossa contraditória benevolência herdada do Pai celestial. Filhos e filhas do Criador por que não gostamos de ver o que é “feio”, mas que de alguma forma contribuímos para a concretização do “feio” na sociedade?

O que não nos serve mais, chamamos de lixo e jogamos fora. Não importa onde vai parar. Acho que vejo certa similaridade com o tratamento dado aos delinqüentes, assassinos, pedófilos, viciados, esquizofrênicos, traficantes... Queremos colocar todos num lugar chamado nada e esquecer, partindo do pressuposto que o nada não existe.
Para o vocalista do Engenheiros do Havaí e compositor, Humberto Gessinger, o nada é uma palavra esperando tradução. Será que conseguimos traduzir em uma palavra as ações que ocultamos? De repente encontramos a resposta diante do espelho ou do nada.

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2 comentários:

JottaErre disse...

Olá, valeu pela visita!
A foto num é minha não... peguei na net e lá não citava a fonte.
Teu blog é bem bacana!!!

até

Mário Sioli disse...

O melhor texto combinado com a melhor foto.
Parabéns!!!
Beijos