O balconista, do interior do Paraná ainda não tinha acessado a internet naquele dia, nem assistido programas de entretenimento na tevê, nem jornais, não sabia da recente descoberta feita por cientistas holandeses. Segundo eles, a pílula pode ajudar a apagar memórias desagradáveis e no tratamento de ansiedade e fobias. Este era o motivo que levou Lúcia a farmácia.
Ela não tem fobia, somente ama demais. Quer apagar algumas lembranças. Lembranças das brincadeiras, da teimosia, do prato de arroz com feijão, bife e batatas fritas, das noites acordadas, dos afagos... São tantas lembranças boas, mas que agora se transformaram em dor, muita dor. A mãe de João Pedro não se conforma como um menino, o seu menino, pôde morrer tão de repente, num acidente de trânsito, no carnaval. Imprudência. De quem? Foram 22 anos de muitas emoções, cumplicidade, acertos e erros. Não dá pra julgar a educação recebida.
A morte é um fato seja no aconchego da velhice ou na turbulência da juventude. O que incomoda, talvez, não é fato, mas a ação precursora evitável. Esquecer, talvez, seja o melhor remédio. Esquecer, talvez, seja a melhor forma de matar novamente os sentimentos, as lembranças, os sorrisos...
Lúcia só esqueceu que não sabe como é o tratamento, qual a dosagem do beta-bloqueador. Mas, para ela não importa, não agora. O seu coração dói demais para pensar. Mas, talvez, ainda a terapia tradicional seja a solução mais sensata. Aprender a lidar com as perdas evitáveis, talvez, seja mais difícil a viver com um fato determinante e determinado, a morte.