A sexta-feira da paixão de todos os dias


A multidão se reúne na Praça da Igreja. O tempo está turvo já é possível ver algumas gotas de chuva caindo levemente sobre os rostos. Os olhares esse vertem para o céu e lá do alto surge uma tímida estrela. Então, a multidão começa a caminhar e até que parece que a tímida estrela guia os fiéis. Mas, na verdade poucos a percebem, alguém na minha frente diz: olha surgiu uma estrela!

Passa pela primeira estação, segunda, terceira ... No meio da massa crianças vestidas de anjos, mulheres descalças... As vozes se confrontam com o rugido do tempo carregado pela força da natureza: vento e trovões. A multidão parece emudecida, quando se afasta dos carros de sons, que se pode ouvir nitidamente a voz que anuncia as estações.

A encenação da via cruzes continua pelas ruas das cidades. Seus peregrinos estão com os olhares abatidos como se o Cristo estivesse sendo crucificado naquele instante e como cada um gritasse na periferia da alma Barrabás, Barrabás, Barrabás.... Também é nítida as mãos calejadas que seguram as velas que iluminam a via sacra.

Não é difícil notar que o tempo não passa para algumas coisas, a mesma multidão que segue o Cristo morto é a mesma que o seguia o Jovem Nazareno há 2 mil anos atrás.São de pobres e leprosos do corpo e do espírito que se forma o cordão humano que acompanha Jesus até o calvário. Rara é a presença dos nobres entre a multidão de aflitos. O único ato solidário está em emprestar a chama da vela para acender outra que se apagou com o vento.

A via cruzes está prestes a acabar. Já está na 14ª estação, quando risos escandalosos desperta olhares, é um grupo de jovens emos, rock´s, punk’s, sei lá. Eles atravessam o cordão de fiéis arrancando olhares revoltosos. Entretanto, seguem com sua garrafa de álcool como outros jovens que cruzaram a procissão ao longo das 15 estações. Jesus deve está diluído no álcool e na alma de seus irmãos terrenos.

A multidão se reúne novamente em frente à Igreja a espera das palavras do bispo. Ela chega mansa falando do paraíso de duas árvores a da ciência do bem e da ciência do mal que é plantada dentro dos nossos corações. "O paraíso pode ser aqui. Deus nos deixou o livre arbítrio e quando escolhemos colher frutos da árvore da ciência do bem estamos escolhendo a vida, estamos escolhendo o que Deus nos ensinou.

É assim escolhendo os frutos da árvore da ciência do bem que Jesus vive em nós. Perdão, mas parece que vocês filhos de Deus preferem viver com Barrabás, o matador". O discurso de como viver em paz como a alma prossegue. E termina: "Não tenha medo meu rebanho, não tenha medo minhas ovelhas do amor de Deus", implora.

A celebração da via cruzes continua com um teatro ao ar livre no platô, atrás da Igreja. A platéia eclética parece emocionada. Ironia ou simples coincidência enquanto Cristo sofre o mesmo ritual de perseguição e crucificação em cima do platô, alguém lá em baixo do platô ajeita o papelão e sua coberta se esquivando do vento frio que invade a noite.

O teatro acaba, a multidão se disperça e o único canto que continua a urgir é: teu nome é Jesus Cristo e é analfabeto, passa frio, é um mendigo antes trabalhasse e não pedisse... Todos saem e corpo moreno, barba grisalha fica lá se encolhendo do frio e do preconceito. Enquanto isso, os fiéis comentavam a brilhante atuação do Jesus Cristo de olhos verdes e cabelos loiros. É assim que Cristo nasce e morre em todos os dias em todas as sextas-feiras santas e profanas.


Vanuza Borges

  • Digg
  • Del.icio.us
  • StumbleUpon
  • Reddit
  • RSS

2 comentários:

Mário Sioli disse...

Aqui mais uma vez ela demonstra o quanto é brilhante e através de palavras sutis e com um olhar criterioso, ela olha além dos simples rituais do dia-a-dia, ela observa a alma humana em todo o seu contexto.
É uma mulher admirável com uma talento único na hora de redigir suas idéias e nos agraciar assim com um pouco da sua bondosa sabedoria.
Mais um ótimo texto.
Parabéns!!!
Beijos ardentes pra ti.

Milady Trava disse...

Parabéns Vanuza, o texto é lindo.MAs texto não tem que ser lindo né, tem que ser eficiente, crítico bem escrito. E isso está colocado perfeitamente nesta crônica pena que longe está da ficção.O que também me corta o coração é saber que muitos podem fazer grandes coisas, mas simplismente ignoram sua missão, enquanto que outros que podem fazer pouco se desdobram para fazer muito. Talvez a solução seria trocar os corações das pessoas, pois neste mundo onde as respostas estão cada vez mais obscuras, acreditar é quase impossível. Somente o Amor é a resposta.